Saquinho



Brigas entre casais. Sempre haverá, independentemente se a convivência é boa ou não. Não me refiro às agressões sofridas por quaisquer um deles, aí a coisa já extrapola o bom senso e não é sobre isso que me refiro. Acontece às vezes por um não estar naquele dia especial, as coisas não estão correndo bem, numa fase em que nada deu certo. Se isto aconteceu com somente um deles, o outro compreende, não liga, muda de assunto, bota o galho dentro, contorna a situação e no dia seguinte tudo está esquecido. Mas quando os dois estão ouriçados, aí pode haver um fogaréu enorme numa chispazinha à toa.

Foi mais ou menos assim que começou o entrevero com aquele casal. Fim de semana, cano da pia entupido, água vazando, a criança com caganeira, a máquina de lavar estragou a melhor blusa e por aí afora, azares se repetindo. (Ponha atenção: dificilmente essas coisas acontecem esporadicamente; vêm todas de uma vez só). Ela pediu, educadamente, para o marido dar um jeito no cano da pia e ele negou, no fim de semana não ia fazer nada, só de papo pro ar. Pra quê! Por causa dessa bobaginha mixa, o pau quebrou. E em tudo que se botou pano quente em outras pequenas discussões anteriores, veio à tona.

Ela pegou a menina e saiu de casa. Não abandonaria o lar, não. Foi para o clube, aclarar as ideias, desparecer a briga que não foi tão pequena assim. Encontrou uma amiga e foi logo descrevendo todo o bafafá. Estava muito agitada e somente ela falou por alguns minutos. Precisava falar, desabafar.

- Nada disso! Vou ficar com a Fieca e você vai voltar e consertar isto tudo. Picuinhas bobas, mas amanhã poderá ser muito tarde. Conversando a gente se entende e ainda por cima já se passou algum tempo e a adrenalina já baixou! E, pô! Vocês são dois adultos, mas estão agindo como crianças!

Deu um duro danado nela.

Achou razoável e seguiu o conselho da amiga, de quem já estava até com medo também. Chegando perto, a ansiedade aumentou. Não sabia como iniciar, como agir e se tudo recomeçasse? Por medida de precaução ou mesmo para ganhar um pouco mais de tempo, resolveu entrar pela porta da cozinha. Ele, o marido, com certeza estaria escarrapachado no sofá da sala, roncando como capado gordo e os jornais todos espalhados pelo chão. Ficaria um pouco na cozinha, fazendo um barulhinho aqui outro acolá, bem baixinho e com isto ele deveria acordar, procuraria ver o que estaria acontecendo e seria mais fácil iniciar um diálogo. Aproveitaria para fazer um cafezinho fresquinho. Ninguém resiste ao cheirinho de um café coado na hora!

E assim foi feito. Cuidadosamente abriu a maçaneta, empurrou devagar a porta e viu: ele estava lá! “Tadinho!” Fez mau juízo dele. Estava abaixado, de cata cavaco, com a metade do corpo enfiado debaixo da pia tentando consertá-la.

Aquilo a acalmou. Percebeu que ele também havia arrependido da bobeira e resolveu atender ao seu pedido. Um detalhe quase a fez rir, mas segurou: a bermuda estava rasgada no traseiro e as partes mais íntimas completamente expostas, balangando. Como sempre teve raciocínio rápido, pensou: talvez na hora de abaixar, ela se rasgou, ele percebeu, mas como estava sozinho em casa, deixou pra lá, trocaria de roupa depois da tarefa completada. Ela, então, resolveu fazer uma gracinha: de pé ante pé, aproximou-se dele, com a mão aberta e usando as pontas dedos com as unhas bem compridas, tamborilou tapinhas suaves nos badalos preguiçosamente dependurados:

- O que o saquinho sem vergonha da mamãe está fazendo aí?

Rapaz! Que fuzuê! Foi como retirar o pino de segurança de uma granada! A primeira reação foi um tranco violento, todo o corpo se contraiu. O homem se encolheu todo e soltou um rugido surdo e ofegante. Logo em seguida começou a dar corcovas como os cavalos brabos em festa de rodeios. Queria porque queria sair dali de qualquer maneira e nessas convulsões, descolou a cuba da pia com o cocuruto, as portinhas do armário da pia saíram agarradas a um dos seus ombros e foram atiradas longe. Ficou de pé rápido, virou-se num átimo e… Blam! A mulher desmanchou-se toda lá no chão, desmaiada.

Não! Nada disso! Juízo precipitado! Alguém já deve estar pensando que o brutamontes enfiou a mão na frágil esposa, deu-lhe um cacete daqueles e a nocauteou. Maledicências! Ninguém tocou ninguém, ninguém bateu em ninguém. A bem da verdade, o marido nem estava ali, coitado! Era o zelador do prédio que estava tentando consertar a pia.

Só isso!

DirceuBadini

Cadeira nº 13, Patronímica de Euclides da Cunha

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