Não sou o suficiente para falar de um lugar preto, embora eu tenha uma filha de um relacionamento interracial. Não estou autorizado a existir neste lugar.
Eu nunca serei o suficiente para falar de um lugar trans e gay apesar da minha cisheteronormatividade que eu não escolhi como desejo, embora eu tenha convivido e amo meu irmão gay, do mesmo pai e da mesma mãe.
Eu nunca serei suficientemente pobre, embora tenha feito uma carreira subalterna como servidor público. Também sou desautorizado neste lugar do dizer.
Jamais terei a suficiência para falar de religião e cultura judaico-cristã, embora tivesse uma experiência de pastorado, delírios e contatos sobrenaturais, jamais me autorizaram a falar deste lugar.
Em tempo algum serei o suficiente para falar de casamento, embora eu tenha casado algumas vezes. Não validaram minhas conjugalidades. Sou um desvalido nesse quesito.
Eu nunca serei o suficiente para falar em ser amado, já que meus pais fizeram de dois, uma loucura só! Também não sou autorizado a existir neste lugar do enlouquecimento.
Jamais serei o suficiente em amar, já que não autorizaram meus amores, minhas entregas, meus apaixonamentos. Disseram que era maluquice, doença, pecado ou quaisquer outras palavras fantasiosas. Se ser-se na vida está condenado a não amar, então me condenem, me amarrem no rochedo, me deixem a morrer à míngua, sem água, sem comida, sem mistério.
É lá nesse buraco e no vazio que encontrei os caquinhos e as lasquinhas de cada insuficiência e desautorização. Cada pedacinho de sobras desvalidas, pude ir aos poucos, construindo um mosaico de mim mesmo fracassado. Caleidoscópio de um Eu eterno desvalido e exilado. No calabouço, pude ser eu mesmo. Um lugar de restos dos Outros, na marginalidade e fragmentado. Se é assim que me faz existir remendado, então sou um não-lugar, um abjeto do amor.
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