Momentos de glória


Vocês podem não acreditar, mas certa vez toquei o piano 
com o grande Miguel Proença

O que conta são os momentos de glória, é ou não é? Não fosse eu um sujeito modesto, sairia por aí narrando uns casos. Por exemplo: certa madrugada uma voz melosa telefona para a minha casa e começa a elogiar meu desempenho na noite anterior. Eu já estava me sentindo o verdadeiro Daniel Craig, ou quem seja o garanhão do momento em Hollywood, quando acabei de acordar e me dei conta de que a única pessoa que poderia opinar sobre o meu desempenho no assunto estava dormindo do outro lado da cama. Já ia informar à Voz Melosa que ela havia ligado para o número errado, quando ela suspirou apaixonada: “Ah, Oliveira, você é o máximo!” Eu nunca usei pseudônimos e, se usasse, não creio que escolhesse Oliveira. Pseudônimo tem que ser marcante, tem que dizer de cara a que veio quem o adotou. Contaram-me que conhecido cidadão de nossa cidade (a quem ficticiamente chamaremos aqui de Romualdo, com perdão dos Romualdos da vida real) viaja com frequência ao Rio de Janeiro e, chegando ao alto da serra, exclama, enfim liberto: “Até aqui sou Romualdo. Daqui pra frente eu sou Dolores!”

Mas eu ia contar as minhas glórias e acabei falando de um fracasso. Porque, é claro, não era a mim que Voz Melosa estava elogiando. Voltei a dormir, resmungando contra as pessoas que falam ao telefone sem saber quem está do outro lado da linha, e maldizendo as mulheres, que fazem a gente se imaginar um imbatível Brad Pitt e depois deixam a gente se sentindo um Oliveira qualquer.

Mas nem tudo são fracassos. Já lhes contei como conheci Leonel Brizola, honra acrescida do fato de a iniciativa do nosso encontro ter partido dele, e não de mim. Ora, estava eu no meu cantinho quando o então candidato a governador chegou para um comício. De repente, o homem se viu cercado por um bando de bêbados. Brizola era aguardado para um almoço, e é possível que os bêbados, mais do que votar nele, estivessem querendo almoçar de graça. Nunca é bom confiar nessa gente, não tem nada mais falso no mundo do que eleitor. Depois que inventaram esse negócio de voto secreto, então, ficou um horror. O cidadão se candidata a vereador, tem a promessa de dois, três mil votos e na hora em que a urna é aberta, o que aparece? Oitenta, cem votinhos. O voto secreto é a maior falsidade que existe e é por isso que em muitas cidades do Brasil, até pouco tempo atrás, o candidato mais poderoso mandava encher as urnas na véspera das eleições, evitando assim que o povo fizesse a besteira de votar em algum de seus adversários.

Creio que Brizola ficou assustado com o alto teor alcoólico das conversas que puxaram com ele. Talvez temesse um atentado terrorista, porque, se alguém acendesse um fósforo nas proximidades, não havia como evitar uma explosão, com mortos e feridos. Então, olhando através das ondas etílicas que o envolviam, o candidato viu um sujeito que, embora insignificante, parecia estar sóbrio. E foi assim que ele partiu em minha direção e veio puxar conversa comigo.
E agora, estão convencidos da minha importância? Pois conto-lhes mais. Vocês podem não acreditar, mas certa vez toquei o piano com o grande Miguel Proença. Ah! ah!, por essa vocês não esperavam, heim?  Não duvido de que haja algum leitor morrendo de tanta inveja que nem consiga mais continuar a leitura. Pois bem, vou lhes explicar tudo direitinho. Passei à tarde pelo Centro de Arte a fim de apanhar ingressos para o recital que o Miguel (já posso tratá-lo com essa intimidade) daria à noite. Nesse momento, o grande pianista estava lá dentro, testando o piano. Tendo concluído que havia nele algum problema, resolveu trocá-lo por outro, que estava no corredor. Modestamente, começou ele mesmo a arrastar o instrumento, e vieram me pedir ajuda. Em muitas coisas na vida me considero um carregador de piano, mas a verdade é que detesto fazer força e carregar peso. Aquele, no entanto, era um momento de glória, que eu não podia perder. Consciente da grandeza do instante, juntei-me ao renomado concertista e ajudei-o a tocar o piano para fora do palco.

Foi um dueto inesquecível para mim, mas o Proença, ingrato, é bem capaz de já ter esquecido o quanto eu contribuí para os calorosos aplausos que, à noite, ele recebeu da plateia.

Robério José Canto
Cadeira no. 4 - Patronímica de Alphonsus de Guimarães.

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