A impressão que tenho em mente
de
que as manias de ler
e,
bem pior, de escrever,
são
meio coisa de louco,
não
me veio de repente,
me
veio, sim, pouco a pouco.
Livros,
na infância, eu não lia.
Deles,
o que conhecia
era
o que ouvia dizer.
Comecei
na adolescência
essa
mania de ler,
em
meio à efervescência,
como
é norma nessa fase,
dos
hormônios, dos passeios
na
praça e nas piscinas,
ora
de olho nas frases,
ora
mirando as meninas,
e
pouco a pouco me veio,
como
inevitável sina,
esse
negócio de louco.
O
tempo me era estreito
pra
ler o que aparecia.
Tive
então que dar um jeito
de
alimentar a mania.
Em
vez de ir ao colégio,
ia
ao Parque São Clemente.
Era
quase um sacrilégio.
Matava
as aulas pra ler
em
completa solidão
e
macabra compulsão.
Do
Cêfel eu escapava
e
no parque eu me amoitava
para
ler sofregamente.
O
que se pode dizer?
Atitude
de demente.
Solidão
e compulsão:
sinais
certos de doideira.
Cabe
lembrar o chavão:
selava-se
o diagnóstico
de
péssimo prognóstico.
Seria
um mal de família?
Eu
lia tudo que via
pela
frente, sem critério.
Não
respeitava fronteira
e
tragava longas listas.
Brasileiros,
portugueses,
franceses,
italianos,
espanhóis,
russos, ingleses,
alemães,
americanos,
cristãos,
judeus, muçulmanos,
budistas,
confucionistas,
pra
mim eram refrigério.
Pobre
leitor, não sabia
que
aquela matéria lida
de
um jeito desassombrado
e
pra lá de açodado,
como
se ali não houvesse
nenhuma
chave ou mistério,
teria
de ser relida
se
bem entender quisesse.
Eu
me veria obrigado
a
reler parte de tudo,
em
parte ou completamente,
e
dessa vez, calmamente,
e
de um jeito mais sisudo,
para
entender plenamente
a
arte ali escondida.
Era
coisa de endoidar.
Seria
um mal do lugar?
Naquele
tempo, o Paco,
um
dos muitos descendentes
dos
imigrantes de Espanha,
um
dos muitos Ruiz,
de
todos um amigaço,
prosador
de muita manha,
com
todos ria e falava,
além
de tudo, gerente
do
Bar e Sorveteria
Única,
dali de frente,
o
Paco, como eu dizia,
a
todo mundo afirmava
verdade
que ninguém diz:
que
o clima tão decantado
de
nossa amada cidade
é
da melhor qualidade
para
fêmea ou para macho
mas
que seu bom resultado
é
do pescoço pra baixo.
O
Paco assim entendia
que
o mal do clima atingia
a
cabeça da pessoa.
Nem
tanto à do visitante,
que
curtia numa boa
o
reles tempo passado
na
Suíça Brasileira.
Não
era o que acontecia
com
o coitado do habitante,
aquele
aquartelado
aqui,
pela vida inteira.
Se
ler muito é uma loucura,
o
que podemos dizer
de
quem se mete a escrever
boa
ou má literatura?
Ferreira
Gullar, poeta
da
maior envergadura,
(confirmo
a expressão batida),
diz
que a literatura
precisa
mudar a vida.
E
não é voz solitária.
Com
ele, uma legião
canta
em coro, solidária.
Olhem
só que pretensão!
Olhem
só que ousada meta!
Com
letras, mudar a vida
das
pessoas desditosas
e
das mal orientadas
ou
apenas iludidas.
Mudar,
inclusive, a vida
das
pessoas venturosas.
Haja
letras presunçosas!
Haja
ideias variadas!
Haja
fé e colossal
vontade
no coração.
Com
letras mudar o mundo
solapado
em desmedida
miséria,
fome e profundo
desajuste
social,
dominado
por potências
que
visam só o dinheiro,
e
suas intransigências
assolam
o mundo inteiro.
Mudar
a vida, o mundo,
com
simples literatura!
Que
mania de grandeza!
Outro
sinal, com certeza,
de
irreversível loucura.
Eis
que surge um lenitivo,
uma
espécie de incentivo
ao
meu humor combalido:
entrar
para a Academia.
Assim
eu me tornaria,
embora
doido varrido,
um
venerado imortal.
Ah,
nada mal, nada mal,
entrar
para a Academia!
Soube
que vaga estava
a
cadeira dezenove.
Merecer,
não merecia,
mas
tentar não me custava.
Ah,
o agrado que nos move!
A
cadeira pertencera
a
Henrique Braune Zamith,
o
que pela vez primeira
a
ocupou com maestria,
fato
que a História admite:
ilustre
compositor
do
Hino de Barra Mansa,
além
de grande escritor.
E
a dezenove, por último
pertencera
ao nosso Augusto
Carlos
Curvello de Muros,
o
nosso querido Muros
de
tantas boas lembranças,
e
nada há de mais justo
que
saudar o bom cronista
e
louvável romancista.
Entrar
para a Academia!
Se
entrasse nela, eu seria
imortal
como os demais.
E
essa imortalidade
é,
da outra, diferente
em
termos de qualidade
e
sacrifício da gente.
A
tal imortalidade
pelas
letras nos é dada
(troço
mais simples não há),
não
pela vida regrada,
não
por virtudes morais,
nem
por espirituais,
difíceis
de praticar.
Do
próximo até que posso
sua
mulher desejar.
De
um outro roubar eu posso
uma
ideia, um pensamento
e
de algum jeito botar
aquilo,
em qualquer momento,
no
livro que estou fazendo,
e
nada disso será
descontado
no meu tempo.
Lancei
a candidatura
à
Casa que prometia,
por
minha literatura,
amena
imortalidade,
especial
regalia
dada
a poucos na cidade.
Fui
aceito e fiquei grato.
Eis
que surge um revertério.
Ninguém
menos que Robério
José
Canto, o Presidente,
com
o tom de gravidade
usado
no magistério,
me
diz amigavelmente:
Meu
prezado candidato,
me
sinto na obrigação
de
lhe revelar um fato,
incontestável
verdade,
diferente
de boatos
que
pela cidade correm
sem
a menor consistência.
Sinto-me
na obrigação
de
lhe avisar de antemão
que
os imortais também morrem,
e
aliás, com uma frequência,
ele
disse, assustadora.
Notícia
devastadora.
Vem
na boca, o coração.
Coisa
de louco, eu diria.
E
quem aqui poderia
ter
contrária opinião?
Mas
o que posso fazer?
O
que podemos fazer?
O
planeta, maltratado;
o
ser humano, aturdido;
nós
aqui, por outro lado,
com
o coração esprimido.
Loucura,
a literatura,
disso
já ninguém duvida.
Mas
é o que nós fazemos
com
artifícios que temos.
Feiticeiros,
feiticeiras,
hóspedes
do eterno espaço,
lá
em cima, de mil maneiras,
planejamos,
passo a passo,
mudar
o mundo, a vida
com
letras que enfileiramos,
tudo
feito com cuidado,
cada
dia mais e mais,
com
vistas no resultado:
mudanças
que desejamos
perenes
e essenciais,
mesmo
que enfim já saibamos
que
somos simples mortais.
Boa
noite e obrigado.
Nova Friburgo, 11 de março de 2016.
Comentários
Postar um comentário