Discurso de posse de Tereza Cristina Malcher Campitelli


Sr. Presidente da Academia Friburguense de Letras Professor Antonio Vitiello

É um privilégio ocupar nesta Academia a cadeira número 27, patronímica de Júlia Valentim da Silveira Lopes de Almeida. Este momento é a realização de um sonho que construí desde quando soube que nesta cidade havia uma casa de letras, a Casa de Salusse. Serenos foram meus esforços e tive o acolhimento do Professor Aécio Alves da Costa, presidente na época em que me apresentei como escritora infanto-juvenil, o apoio especial do acadêmico Alberto Wermelinger e dos acadêmicos Paulo Jordão Bastos, Ordilei Alves da Costa, Robério José Canto e Álvaro Ottoni.

Quero agradecer a atenção que sempre recebi da minha mãe Lia, meu marido Ricardo, meus filhos Alberto (in memoriam) e Ana Gabriela, minha irmã Lygia e dos amigos que ofereceram seus olhos atentos aos meus textos, colaborando com comentários e sugestões.

Ocupar a cadeira de Júlia Lopes de Almeida é motivo de orgulho. Foi surpreendente conhecer esta notável escritora com quem encontrei grande sintonia. A cada momento da pesquisa sobre sua vida e obra, a mim foi se revelando uma pessoa de fibra, defensora dos direitos da mulher e da educação das crianças. Em quarenta anos de atividade literária, exerceu com coragem o papel feminino numa sociedade machista, sabendo, como tal, olhar para o futuro com esperança e inteligência. Foi protagonista da própria história; nada devendo aos homens do seu tempo.

Júlia nasceu no Rio de Janeiro, em 1862 e viveu um período de sua infância em nossa cidade. Foi para São Paulo, onde, aos dezenove anos, estreou como escritora na Gazeta de Campinas, sendo uma das primeiras mulheres a escrever para periódicos. Aos 24 anos de idade, publicou seu primeiro livro, “Traços e iluminuras”. Casou-se com Felinto de Almeida, poeta e diretor da revista A Semana, para a qual se dedicou sistematicamente. Teve três filhos, também escritores, e com um deles, Afonso, escreveu “A árvore”, obra de cunho didático. E com o marido, escreveu o romance, “A casa verde”.

Colaborou como contista e cronista em vários jornais e revistas por mais de 30 anos, quando fez campanhas em defesa da independência e instrução da mulher. Foi tão expressiva com relação à temática, que foi presidente honorária da Legião da Mulher Brasileira, criada em 1919.

Sua obra reúne mais de 40 volumes, entre romances, contos, literatura infantil, teatro, crônicas e obras didáticas. Podemos destacar, além dos títulos indicados, “A intrusa”, “A caolha”, “Contos infantis”, ”Histórias da nossa terra” e “Oração à Santa Dorotéia”.

Júlia Lopes de Almeida foi convidada por famosos escritores da época para colaborar com a idealização da Academia Brasileira de Letras, porém, pasme, Sr. Presidente, esta eminente escritora não pode ocupar uma cadeira, apenas por ser mulher.

Em 1930, ela faleceu no Rio de Janeiro. Mesmo sendo considerada a primeira romancista brasileira e ter feito sucesso, ainda não é tratada como uma escritora importante na nossa história. Ficou esquecida no passado. Hoje, apenas uma escola estadual, em Osasco, São Paulo, é denominada Júlia Lopes de Almeida em sua homenagem.

A cadeira número 27 também perpetua minha antecessora, Maria de Lourdes Valentim Meira, nascida em 1909, em Niterói. Mariomar, como era chamada, deixa ecos de musicalidade, poesia e esperança em nossa Academia, Sr. Presidente. Em sua biografia pude observar uma vida repleta de flores coloridas, de amores, amigos e admiradores, muito embora trazendo na bagagem pacotes de sofrimentos e lutas. Porém seu olhar se dirigia para os primeiros raios de sol do amanhecer. Assim, fez do Sol Nascente, sítio que tinha em Niterói, lugar para estimular a arte e a literatura, onde artistas, principalmente poetas, participavam de encontros e eventos.

Ela foi poetisa, dramaturga, contista, radialista e professora primária. Apreciadora e, especialmente fazedora de trova, criando rimas com lirismo e filosofia.

Sua obra reúne dezenove publicações, dentre as quais destaco: “Arpejos” (trovas), “Os homens preferem as viúvas” e “Pedaços do meu sentir”. Colaborou com contos em jornais de Niterói. E, certamente, com tanta sensibilidade e criatividade, não pode deixar de escrever para o teatro.

Foi fundadora das Academias de Letras de São Gonçalo e Maricá. Em reconhecimento ao seu entusiasmo pelo trovadorismo, foi convidada a ocupar a cadeira Cecília Meireles na Academia Brasileira de Trovas, bem como, a cadeira número 25 da Academia Niteroiense de Letras.

Mariomar faleceu em 2003. Em seus quase cem anos de vida, teve um papel relevante para a cultura fluminense.

A partir de hoje, com muita honra ocuparei a cadeira número 27 da Casa de Salusse. Nasci no Rio de Janeiro, em 1953 e, desde cedo, fui cercada pela literatura. Com vovó Carmem passei anos escutando o bater das teclas da máquina de escrever e vendo sua cuidadosa pesquisa com as palavras para reescrevê-las nos livros de bolso que traduzia. Li todos com entusiasmo. Afinal de contas, ver o nome da minha avó na capa de um livro era motivo de grande orgulho!

Sendo filha de bibliotecária, vivi parte da infância e adolescência no fascinante mundo dos livros, onde tive contato com mil e uma histórias. Como as atividades da biblioteca eram enriquecidas com palestras, atividades lúdicas e criativas, tive a oportunidade de conhecer a vida e a obra de escritores, artistas e pensadores; o que foi importante para o desenvolvimento da minha escrita.

Como surgiu Nova Friburgo em minha vida? Aos nove anos de idade, passei as férias na Fazenda Bela Vista, localizada na antiga estrada de Amparo; lá plantei raízes criei meus dois filhos e cultivei amigos por toda a cidade.

Sou formada em Pedagogia pela Universidade Santa Úrsula, Mestre em Educação pela PUC-RJ. Trabalhei vinte anos com educação em colégios como orientadora educacional e com Orientação Vocacional, em caráter particular. Aqui, em Friburgo, na Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia, atuei como professora. Somente aos cinquenta anos descobri o prazer em criar enredos, cenários e personagens. Tudo por causa do “Pequeno príncipe”. Ao relê-lo, Saint Exupéry me encantou. Sua forma de criar e de usar as palavras me fez ter vontade de desvendar o imaginário. Devagar fui me transportando para o universo da arte e trouxe os valores que preservei na minha vida e formação. Os caminhos que percorri influenciaram os livros de literatura infantojuvenis que escrevi.

Este caminhar se iniciou com dois textos de dramaturgia, quando fiz a adaptação das obras, “Cabeças trocadas” (1998) de Thomas Mann e “Você me ama?” (2000) de Ronald d’Laing. Ambos foram encenadas no Rio de Janeiro, na Casa de Cultura Laura Alvim. Posteriormente, fiz a adaptação de um livro meu, “Um cão cheio de ideias” (2007), e tive a alegria de também vê-lo encenado neste mesmo palco, bem como, no Teatro das Artes no Shopping da Gávea, Rio de Janeiro.

Para aprimorar a habilidade na escrita, participei de oficinas literárias de literatura infanto-juvenil e de humor. Com este segundo grupo, colaborei para as seguintes coletâneas: “Humor, tô vivo” (2006) com os contos “Solavancos”, “Porta giratória” e “A revelação”; em “Contos, crônicas e gozações” (2008), participei com os contos “Mulheres” e “Ô, xen!”; em “Tudo junto e separado”, com os contos “Tecidos”, “Quem vem para o café da manhã?”, “Quem sabe...” e “Apegos”.

Minha primeira obra publicada foi “O livro maluco e a caneta sem tinta” (2006), em parceria com Márcio Paschoal, pela editora Zit. A seguir, “Um cão cheio de ideias” (2007), na primeira edição pela editora Paulinas. Com o conto Quase... participei da coletânea organizada por Anna Cláudia Ramos, “Alguns segredos e outras histórias” (2008), publicada pela editora Larousse.

Meu último livro foi “Aventureiros da Serra”, editado pela RHJ Livros, em 2012.

Desde que comecei a escrever livros infantojuvenis, desenvolvo oficinas de literatura para professores, dentre as quais destaco: Leitura e educação: instrumentos de transformação; Leitura e cognição; Avaliação do livro de leitura.

Senhor Presidente, tornar-me membro efetivo desta Academia é a oportunidade que a vida me dá para exercer o papel de cidadã. Através da literatura infanto-juvenil, reforço ainda mais o compromisso com meu leitor no sentido de continuar a criar histórias com sensibilidade, usar as palavras com responsabilidade e construir textos com valores. Como também, é um estímulo para colaborar com as propostas de incentivo à leitura, reconhecendo-a como um prazer, um direito e, principalmente, um recurso importante à formação da pessoa. Finalmente, comprometo-me, ainda, em contribuir para o funcionamento e florescimento desta Academia de Letras que é voltada e interessada na difusão da cultura e da literatura.

Obrigada!

Nova Friburgo,13 de dezembro de 2013.

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