Discurso de posse de Marisa Maia de Mello



Caríssimos: o que é a maçã sem a boca? Peço que guardem essa pergunta porque voltaremos a ela no final…

Há quase 76 anos o mundo ainda vivia uma guerra mundial. E foi nesse cenário que alguns homens se reuniram porque tiveram uma ideia muito estranha: formar uma espécie de fraternidade… para falar de livros?

E mais ainda: resolveram que teriam como propósito a defesa desse negócio de Língua e Literatura. Que incentivariam a atividade literária, educativa e cultural da cidade. E que se dedicariam gratuitamente a esse intuito!

A primeira reunião foi ao ar livre, vejam só, aqui na praça. Eu não conheço detalhes, mas fiquei sabendo que foram doze homens e uma sentença: vamos formar a ACADEMIA FRIBURGUENSE DE LETRAS. Também conhecida como a Casa de Júlio Salusse (isso foi um bom indício para mim, já que o Júlio era bom-jardinense). Acho que essa turma estava certa ao abraçar essa causa, porque vejam só: a AFL nunca interrompeu suas atividades durante todos esses anos!

E nessa turma arrojada estava o juiz Oscar Goulart Monteiro que teve a honra e missão de ser o primeiro presidente. Eu não descobri muita coisa a respeito do sr. Oscar, mas em notas muito antigas de jornal, descobri elogios à sua figura pública dedicada à Magistratura e notas curiosas (como ele ter sido o supervisor das obras do antigo fórum - aqui, pertinho de onde estamos). Li sobre como seus conselhos foram importantes para que outros advogados seguissem a carreira e também se tornassem juízes. O fato é que ele ocupou a cadeira 33, sendo assim, o meu patrono.

E para mim, que sempre gostei das palavras e simpatizava também com os números, sabem que eu descobri na internet trinta e três curiosidades sobre o número 33? Podem deixar que não vou enumerar todas! Mas vou comentar que entre elas, há 33 ossos da nossa coluna (que às vezes já se intrometem a doer) ou que 33 por cento da superfície terrestre é coberta por desertos. Que 33 nos lembra a idade do Cristo ou ainda, que são 33 os cantos da Divina Comédia… Afinal, é um número interessante!

Essa mesma cadeira 33, antes de mim, era do caríssimo Hartmurt Ernst Riedmaier - com o qual não tive a oportunidade de conviver, mas soube como era considerado por todos um grande amigo, pessoa de séria docilidade e multifacetada veia literária. Vim a descobri-lo quando sua família veio, gentilmente, visitar a nossa “Bibliogaragem Comunitária das Histórias Viajantes” trazendo suas obras como doação para nosso acervo. E de sua variada obra, me afeiçoei às suas “Histórias do Pai Timulti” - para crianças de muitas idades - onde ele transformou em aventureiros intrépidos até aos legumes do sítio!

Porém, nesta nobre casa fundada por homens e por eles comandada por muitas décadas, as mulheres também abriram veredas e marcaram (e marcam) presença. E hoje, estamos aqui, eu e Nívea, para dignificar a todas que abriram caminhos para nós e a todas às quais ajudaremos a escalar mais alto do que já conseguimos. Meninas: ninguém larga a mão da outra, ok?!

Todos esses pequenos detalhes me enchem de honra. E gratidão! Às minhas raízes ancestrais - de um bisavô contador de histórias e aos meu pai (in memorian) e mãe; aos meus esteios (irmão, filhos, toda a família); aos prezadíssimos acadêmicos; à George Pacheco (o Pachecão) que hoje me introduz nesta seara; ao meu fiel escudeiro, meu grande amor, Ilo Louback. E ao Divino, que costumo chamar de Alfaiate Supremo (porque numa história que conto digo que Ele nos bordou, a cada um, com fios de ouro e prata). Entretanto, hoje O chamarei de Grande Escritor das linhas tortas de nossas vidas. Linhas que, trançadas e traçadas a tantas outras, me trouxeram até aqui. Obrigada, meu Deus, Consciência Universal. Obrigada a todos vocês que testemunham este fato em minha vida…

Antes de terminar, voltemos à polêmica da maçã.

O que é a maçã, sem o contato com a boca, senão meramente uma fruta? Uma fruta que se nunca for provada será apenas uma imagem, talvez até uma natureza morta. Mas vocês podem alegar que já conhecemos o sabor que as maçãs possuem. Porém, não desta maçã que seguro. Tampouco o sabor dela reside na minha boca. É preciso que haja o contato para essa descoberta.

Assim também é a relação com o livro. O livro, sem um leitor, é apenas um objeto. Que inclusive pode ter outros usos, desde enfeitar prateleiras ou ainda, servir de calço de mesa. Pode ser ainda, tal como a maçã-imagem, apenas uma natureza morta. É preciso que o leitor prove do livro! Que suas palavras sejam sorvidas, digeridas, ruminadas…

E é assim, senhoras e senhores, que defendo a minha missão de ajudar a formar leitores: proporcionar que livros sejam saboreados - sejam físicos, digitais ou imaginários! Pois defendo que, como quem lê é o cérebro, até mesmo uma pessoa “analfabeta” lê conosco quando lemos para ela. E quando contamos histórias para ela…

Sendo assim, muito honrada por agora fazer parte desta venerada Casa, proponho: provemos o sabor das maçãs, provemos mais o sabor dos livros!

Marisa Maia de Mello

Cadeira n ° 33, Patronímica de Oscar Goulart Monteiro

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