Apenas
para referência, e para iniciar a minha narrativa na primeira
pessoa, começo por declarar meus prenomes e nome de batismo: Wotan
Siegfried Wagner da Silva. Até hoje não sei que motivos levaram
meus pais à escolha de tais nomes. Por toda a minha vida procurei
dar um sentido, o mais próximo da sensatez, para justificar a
escolha: como eles, meus pais, eram pessoas cultas, aficcionadas à
música em geral, às artes e à literatura, esforcei-me por
acreditar que aqueles prenomes poderiam ser de eventuais ídolos ou
celebridades, como costuma ocorrer no seio das famílias, para assim
fazê-lo.
Dessa
forma, Wotan poderia ser uma homenagem ao deus do Olimpo germânico,
que os escandinavos do tempo dos vikings denominavam Odin. Siegfried,
da mesma forma, é nome comum da saga germânica, consagrado em ópera
de autoria do alemão Richard Wagner, da tetralogia “O
Anel dos Niebelungos”.
E por fim, o próprio nome Wagner, em homenagem ao celebrado
compositor alemão. Em resumo, os três nomes tornaram-se enormemente
difundidos por força e através de sua pena, pauta e pentagrama.
Mas
isto não vem ao caso, e não importou, afinal de contas, para
enfrentar as situações inusitadas por que passei, por toda a minha
vida, e que pretendo deixar um pouco aqui registradas.
Ao
despertar para a fabulosa vida mundana (era esta a minha visão do
universo, no auge dos meus festejados dezoito anos), e ante as
perspectivas de iniciar uma vida a dois, uma vida de homem casado,
busquei selecionar, nas mulheres, eventualmente disponíveis para
tal, aquilo que eu considerava essencial numa parceira que, em tese,
seria para toda a vida.
Beleza,
um belo corpo, simpatia, cultura (já que eu me considerava um jovem
razoavelmente culto), uma boa formação acadêmica, eloquência (não
exagerada) e, naturalmente, amor. Essas eram as qualidades que eu
desejava numa mulher. Com esses parâmetros, nos quais me baseei,
passei a experimentar todo um panteão de belas mulheres. Não
importava a cor, nem religião, condição social ou inclinação
política. Importava apenas que preenchessem os pré-requisitos por
mim anteriormente eleitos.
Assim
é que, já na universidade, tive as minhas primeiras experiências.
Em plena época da chamada revolução e liberação sexual,
Magdalena lia Marcuse, que influenciou a juventude americana do
pós-guerra com o “Eros
e Civilização”, criando
o afamado brocardo “Faça
o amor, não faça a guerra”,
Freud, Jung, Jean-Paul Sartre, Richardson, e no campo
político-econômico, um pouco de Adam Smith, Friedman, Karl Marx,
Keynes, Stuart Mill, Samuelson, Celso Furtado (à época renomado
economista brasileiro), curtia a então bossa nova, assim como a
contestadora música da esquerda festiva. Muito bonita, corpo
escultural, um bom papo, que me encantou por algum meses. Aos poucos
fui percebendo que o papo-cabeça começava a se tornar monótono,
até que passou a me incomodar permanentemente.
Outras
experiências do tipo se sucederam nessa fase. Cecília, Antonia,
Margarida, Terezinha, Clotilde, Filomena e muitas Marias que primavam
pela beleza, ostentavam corpos esculturais, com tendências sexuais
exóticas e inusitadas.
Naquela
época da liberação sexual, tudo era válido. Tanto homens e
mulheres buscavam instruir-se nos preceitos consagrados pelas antigas
civilizações.
Uma
delas se servia mesmo de técnicas indianas de fazer amor, explicados
nos antigos e afamados manuais, como “Kama
Sutra”,
“Khoka
Shastra”
e o “Ananga
Ranga”.
Alguns
insistiam nas técnicas taoístas, milenares, cujas posições
evocavam situações do dia a dia, que me faziam rir, mais do que
excitar, tais como “Os
patos unidos em voo”,
“Os
galhos dos pinheiros entrelaçados”,
“Botos
à flor d’água”,
“A
mula que escoiceia”,
“Despertando
a bela adormecida”,
e muitas outras.
Como
eu procurava, quase sempre, mulheres com certa cultura, além das
outras qualidades que eu considerava primordiais, eu acabava também
por experimentar situações por vezes repetidas, deixando-me frustrado e exasperado.
Mas
aquela era a fase de minha vida que, muito depois, eu classificaria
de “intelectual”
ou “existencial”,
na qual se impunha a necessidade de me sentir e de me mostrar um
luminar, ou um gênio em potencial.
Conheci
mulheres apaixonadas, por mim e minhas manias, que afinal eram também
as suas. Na verdade a paixão se resumia em admirar, no outro, tudo
aquilo que o outro mostrava como virtudes de mim mesmo, isto é, era
como se nos olhássemos no espelho. Quando alguma coisa nesse elenco
de virtudes discrepava (vinha à mostra um ou alguns defeitos não
identificados de imediato), a situação me desagradava e era o fim
do romance.
A
cultura livresca sempre esteve presente em minha vida e na de minhas
parceiras. Partilhávamos o gosto pelos clássicos da literatura
universal.
Desde
os clássicos da antiguidade, como a “Ilíada”
e a “Odisséia”,
de Homero, e outros posteriores que enriqueceram as bibliotecas de
todo o mundo civilizado: “Hamlet”,
de Shakespeare, “O
Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de la Mancha”,
de Miguel Cervantes, “A
Divina Comédia”
de Dante Alighieri, “Ulisses”,
de James Joyce, “Guerra
e Paz”,
de Leon Tosltoi, “Crime
e Castigo”
de Dostoiéviski, “A
mulher de trinta anos”
de Balzac, “Em
busca do tempo perdido”
de Marcel Proust, “Pickwick
Papers”
de Charles Dickens da era vitoriana (o meu preferido), “O
processo”
de Franz Kafka, “Fausto”,
de Von Goethe, e muitos outros, como os próceres da língua
portuguesa Luis de Camões, Eça de Queirós, José Saramago, Camilo
Castelo Branco, Gil Vicente, Almeida Garret, Fernando Pessoa, José
de Alencar, Machado de Assis, Carlos Drumond de Andrade, Guimarães
Rosa, Jorge Amado, Castro Alves, Cecília Meirelles, Manuel Bandeira,
Mário de Andrade, Mário Quintana, Monteiro Lobato, etc.
De
outra feita, comecei a namorar uma intelectual, eivada de
musicalidade e conhecimentos de cinema. Bela, atraente, simpática e
dona de um “corpão”,
como “il
faut”,
segundo minhas exigências. Mais uma vez a situação se repetia. Sou
um “jazzmaniac”
desde os 13 anos, e um amante de música erudita desde a mesma época,
pois que eu tivera um professor de música que me incutira um gosto
apuradíssimo pelos grandes compositores. E desde então, um razoável
conhecedor.
No
que tange à nossa relação, foi, segundo o jargão popular, “a
fome com a vontade de comer”.
Apesar de eu estar, já, vivenciando existência plena de
realizações profissionais, pois afinal é mister produzir para
sobreviver, foram alguns anos de um “dolce
far niente”,
no que se referia naturalmente aos momentos de lazer, companheirismo
e convivência com minha amada amante.
Entre
os momentos do prazer erótico, que eram frequentes, discutia-se
diuturnamente a importância, no “ranking”
da música jazzística, de cada uma das escolas que se firmaram e se
sucederam na história do jazz, seja a improvisação coletiva no
“background”
de New Orleans, o papel do “blues”
em que a voz humana eventualmente tentava substituir um instrumento
musical (ou vice-versa), o balanço do “swing”,
a época marcante dos “mainstreams”,
a modernização para o “bebop”,
para o “cool
jazz”
e para o “hardbop”,
até chegar-se ao “free
jazz”,
forma livre de exposição de temas e improvisação.
Ou
então enveredava-se pelos caminhos da música medieval, ponteada
pelos alaúdes, violas da gamba, violinos, cravo e outros
instrumentos que tais. Destacava-se a importância de cada grande
compositor que marcou, indelevelmente, os livros de história de cada
um dos países em que viveram, como, por exemplo, Bach (e seus
filhos), Haydn, Beethoven, Brahms e Wagner, na Alemanha; Monteverdi,
Bocherini, Scarlatti, Pucinni, Rossini, Verdi, das composições
operísticas italianas; Rameau, Gluck, Cambert, Lully, Bizet,
Berlioz, Gounod, e Debussy, na França; a genialidade de Mozart, a
família Strauss, Wozeck, e o moderno Schonberg, na Áustria;
Glinka, Mussorgsky, Tchaikovisky, Rimskykorsakof, na Rússia, e
eslavas em geral, notadamente Smetana. Isto para citar alguns, dentre
as centenas de nomes de compositores eruditos que se imortalizaram.
Ou
ainda indicava-se o conceito fundamental da linguagem
cinematográfica, outro campo de minha bagagem cultural, seus
gêneros, tendências, escolas e estilos que marcaram épocas,
manifestadas nos memoráveis filmes “O
encouraçado Potenkim”
(de Eisenstein), “O
grande ditador”
(de Chaplin), “Cidadão
Kane”
(de Orson Welles), “Ossessione”
(de Visconti), “Roma
cidade aberta”
(de Rosselini), “I
Bambini ci Guardano”
(de De Sica), “Oito
e meio”
(de Fellini), apenas para citar alguns de uma enorme lista.
Mas,
mesmo assim, as conversações entre um casal, eminentemente de
caráter intelectual, podem levar a um estado extremo de fadiga e
franca monotonia. A relação amorosa tende a esfriar, como foi o
caso, deste e de muitos outros relacionamentos.
Aos
poucos, com o advento da maturidade, a obsessão intelectual cede
espaço a uma tolerância a situações que, outrora, seriam
impensáveis. Outros valores brotam espontaneamente. Assim surgiu
Bernarda. Sem perder de vista as exigências primordiais, acresceu-se
agora uma dosagem mais acentuada de coisas ligadas à observância e
ao gosto pela natureza. O hábito de realizar viagens seria, num
primeiro momento, a manifestação mais simples dessas novas
sensações.
Vislumbra-se,
então, o verde das florestas, o colorido das flores, a limpidez e a
cristalinidade dos regatos, dos lagos e do próprio mar, a claridade
insistente dos campos nevados, coisas nunca antes olhadas com mais
atenção. A abertura de novos horizontes, a visitação de cidades
de todo o tipo e tamanho, permitiu-me constatar e admirar construções
arquitetônicas dos mais variados tipos e estilos.
Foi
assim que dei início a um maior fluxo de viagens. Nacionais e
internacionais. Nada mais enriquecedor do que viajar. De automóvel,
de ônibus, ou de avião, como é o caso de ir à Europa, por
exemplo, seja por mera distração, a trabalho ou ainda para novas
descobertas. Nesse continente de imensa grandeza histórico-cultural,
em qualquer dos países que o integram, o viajante é infinitamente
beneficiado quando seu objetivo é justamente constatar, “in
loco”,
situações e fatos que conhecemos de “ouvir
falar”.
Um verdadeiro mergulho em épocas distantes.
Respira-se
pura história quando se adentra nos castelos medievais da
Inglaterra, Escócia e País de Gales. Nos seus porões, salões e
espaços amplos, figuras de cera evocam situações domésticas do
dia a dia e personagens lendárias como Ricardo Coração de Leão,
João Sem Terra e toda a dinastia plantageneta. Em outros, quase que
se apercebe as respirações ansiosas das seis mulheres de Henrique
VIII, da dinastia Tudor.
O
mesmo acontece em outros países, outrora sede de grandes impérios
coloniais como Espanha, Holanda e França. Em Paris, com todos os
seus locais marcados pela história, pode-se imaginar os
acontecimentos das noites revolucionários, como a Place de la
Concorde, os salões e pátios dos Palácios de Versalhes e do
Louvre, hoje magníficos museus, a Conciergerie (outrora uma prisão),
o que restou das muralhas de La Bastille, e os becos obscuros por
onde transitaram os burgueses, os jacobinos e os integrantes da
Gironda, e certamente as 2794 vítimas (embora se fale em mais de
20.000) da terrível máquina inventada pelo médico Joseph-Ignace
Guilhotin, ele próprio mais tarde supliciado pelo seu sanguinário
invento.
Em
Portugal, talvez o mais importante dos impérios coloniais, e o país
com o qual o Brasil tem seu cordão umbilical, a riqueza
histórico-arquitetônica é impressionante, e muito nos diz
respeito. De norte a sul do país, brasileiros e portugueses podem
admirar seu passado heroico, desde seus primórdios, além dos
sítios, locais e regiões em que suas lideranças lutaram por sua
independência, principalmente nas guerras da chamada Reconquista,
período em que metade do território que hoje compõe a moderna
Portugal, foi retomada dos sarracenos.
O
mesmo se observa em relação à Itália, na verdade o país como um
todo é um precioso museu. E, mais ainda, o minúsculo Estado do
Vaticano, com suas riquezas pictóricas, um tesouro em peças sacras
de todo o tipo, e um referêncial para toda a humanidade.
Mas
erudição à parte, experiências do tipo vão delineando a formação
sócio-familiar do indivíduo, até o limiar da senectude. A maioria
das pessoas faz uma escolha muito cedo, decisão esta que, quando é
acertada, prevalece até ao final de sua vida. Muitos não têm a
felicidade de eleger a alternativa correta, e padecem, por muitos
anos, até a concretização daquilo que pode ser considerada a
solução exata para sua vida. Outras pessoas simplesmente não
logram fazê-lo.
Em
outras palavras, a vida é um eterno aprendizado. Erra-se na maioria
das vezes. Acerta-se, em algumas ocasiões. Quando o saldo dessas
experiências é positivo, pode-se afirmar que o indivíduo não terá
vivido em vão.
Não
se trata aqui, por tudo o que revelei, de fazer apologia da
instituição do casamento ou repulsão à instituição do celibato.
Ou vice-versa. Mas uma tentativa de trazer a lume a experiência das
intrincadas relações humanas, em particular das relações
conjugais (principalmente as minhas), que tanto afligem ou afligiram
a humanidade, seja através do espaço temporal ou geográfico.
Afora
a experiência acumulada nessas questões, verifica-se o indubitável
enriquecimento intelectual decorrente de tais relações, já que a
troca de informações acaba sendo uma constante. E, tanto melhor, se
o nível intelectual do casal favorece este perfeito entendimento,
mesmo se, em outras áreas, isto possa não ocorrer.
Quanto
a mim, já na casa dos meus 70 anos, fazendo parte da chamada
terceira idade ou idade feliz (maldito o sujeito que criou tais
expressões, e maldito aquele que afirmou, um dia, que “a
vida começa aos quarenta”),
continuo na busca incessante de uma companheira, da “mulher
perfeita”,
da “mulher
ideal”.
Alberto
Lima Abib Wermelinger Monnerat
Alberto
Lima Abib Wermelinger Monnerat –
Nascido em Duas Barras(RJ), é descendentes das famílias suíças
Wermelinger-Eggli, Monnerat-Koller, Borer-Wehrli e Stutz-Huber.
Economista aposentado do Banco Central do Brasil, foi diretor de
empresas governamentais brasileiras no exterior. É membro da
ACADEMIA FRIBOURGUENSE DE LETRAS – AFL, da SOCIÉTÉ FRIBOURGEOISE
DES ÉCRIVAINS – SFE, (de Fribourg, Suíça),
da SOCIÉTÉ D’HISTOIRE DU CANTON DE FRIBOURG (Suíça), membro do
CBG-COLÉGIO BRASILEIRO DE GENEALOGIA, e articulista eventual do
jornal eletrônico SWISSINFO, do Governo Federal Suíço, editado em
10 idiomas.
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