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A
moça brigou com o namorado nas Furnas do Catete, onde tinham ido tomar
caldo de cana e ver a cachoeira do Véu das Noivas que, por sinal, estava
seca. Contou-lhe muitos desaforos, chamou-o de todos os nomes feios de
que pôde se lembrar na hora. Namoravam há mais de três anos, namoro
moderno desde o primeiro dia, posto que começou numa inocente festa de
batizado e na mesma noite se consumou num motel da estrada
Friburgo-Teresópolis.
O
rapaz era bem pobre, mas ela, que tinha até um Fiat 82, não se
importava com isso e, sem constrangimento, dormia com ele na meia-água
em que ele morava em Conselheiro, sendo que o verbo dormir é aí um
eufemismo. Quantas vezes ele jurou amor, e quantas vezes planejaram
casamento, só contando as areias de todas as praias brasileiras para se
saber.
De
repente, sem mais por quê, ele vem com a conversa de “dar um tempo”,
“quem sabe no futuro”. Até em “a gente se conhecer melhor” o miserável
falou. Faltava conhecer o quê? “Você me conhece de todas as maneiras, só
não me viu ainda morta”, disparou, e era verdade. Pegou o Fiat 82 e se
mandou, ele que visse de ônibus. Ou a pé. Tomara que venha a pé e seja
atropelado.
No
Prado, já mais calminha, jurou para si mesma que nunca mais olharia
para aquele desgraçado, aliás nunca mais falaria o nome dele: Zé Luiz.
Parou na entrada de Duas Pedras, apanhou o caderninho que estava no
porta-luvas e riscou o nome do celular dele (Metido: não tem onde cair
morto, mas anda de celular pendurado na orelha). Um pouquinho mais
difícil era apagar o número da cabeça, sabia aquela desgraça de cor há
muito tempo).
Nunca
mais queria saber dele. O ódio era tanto que quase estacionou no pátio
do Hospital Raul Sertã para pedir um calmante. Resolveu não dar tanta
confiança para aquele mequetrefe, um pé rapado e, pra falar a verdade,
muito ruim de cama. Não que tivesse conhecido outro, mas podia jurar que
Zé Luiz era um amante muito frouxo. Bom para se encher de cerveja, que
ela pagava, e depois dormir e roncar.
Furou
o sinal quando entrou na Galdino do Valle Filho, felizmente não tinha
carro atravessando, mas um pedestre fez um gesto obsceno, que ela
respondeu com outro pior ainda. Era católica, mas ao passar pela Igreja
Luterana fez o sinal da cruz e jurou que nunca mais queria saber de
namorar lixo, daqui para frente só se aparecer um homem de verdade.
Canalha,
patife, bandido, corno, de tudo isso ela o chamou enquanto atravessava o
Paissandu, embora o último adjetivo não fizesse sentido. À medida que
se aproximava de Olaria, a raiva diminuía. No Cônego, já estava em paz
consigo mesma. Ele não presta mesmo. Não ia perder tempo por causa de um
homem que nem emprego fixo tinha e, além de tudo, era bem feio, um
nariz que parecia tromba de elefante. Sim, não ia dar a ele o prazer de
achar que ela estava sofrendo. Nunca mais procuraria por ele, e mesmo
que ele a procurasse, ia dispensar numa boa.
Tinha
chorado um pouco, ainda restavam umas lágrimas escorrendo pelas
bochechas. Mas estava resolvida: nunca mais queria saber daquela
porcaria de homem. Chegou à Cascatinha, onde morava com os pais.
Mas antes de ir para casa, parou num orelhão e discou o número do celular de Zé Luiz.
Robério José Canto é licenciado em Letras, tendo se dedicado ao ensino de português e literatura em escolas da rede particular e pública, lecionando em Nova Friburgo, sua cidade natal, e no Rio de Janeiro. Há longos anos colabora com imprensa friburguense, abordando temas de literatura e cultura em geral. Mantém a coluna Escrevivendo, em A Voz da Serra, no qual semanalmente publica crônicas e contos, além de eventualmente colaborar com outras seções do jornal. Publicou os livros “Um lugar muito lá”, “Ventos nas casuarinas”, “Menina com flor”, “O infinitivo e outros males”, “Onde dormem as nuvens” e “Toda criança merece ter um bicho”. Dentre outras distinções, recebeu o título de Cidadão Pleno Destas Terras de D. João VI, conferido pela Cidade de Nova Friburgo e o GAMA - Grupo de Arte Movimento e Ação; a Moção Especial de Louvor “pela valorosa obra em prol da cultura e da Educação”, concedida pela Câmara Municipal de Nova Friburgo, e o Troféu Pégaitaz Irenee René, como um dos “Melhores do ano de 2015”, por decisão do Conselho de Representantes de Eventos Culturais de Nova Friburgo, “Diploma de Mérito Cultural”, outorgado pela Academia Nacional de Letras e Artes – ANLA; agraciado com Menção Honrosa pela Academia Ferroviária de Letras, dentre as Personalidades de Destaque de 2015. O 3º. Concurso Literário da Câmara Municipal de Nova Friburgo conferiu aos vencedores o Troféu Robério Canto. É presidente da Academia Friburguense de Letras, ocupando a Cadeira no. 4, patronímica de Alphonsus de Guimarães.
Robério José Canto
Robério José Canto é licenciado em Letras, tendo se dedicado ao ensino de português e literatura em escolas da rede particular e pública, lecionando em Nova Friburgo, sua cidade natal, e no Rio de Janeiro. Há longos anos colabora com imprensa friburguense, abordando temas de literatura e cultura em geral. Mantém a coluna Escrevivendo, em A Voz da Serra, no qual semanalmente publica crônicas e contos, além de eventualmente colaborar com outras seções do jornal. Publicou os livros “Um lugar muito lá”, “Ventos nas casuarinas”, “Menina com flor”, “O infinitivo e outros males”, “Onde dormem as nuvens” e “Toda criança merece ter um bicho”. Dentre outras distinções, recebeu o título de Cidadão Pleno Destas Terras de D. João VI, conferido pela Cidade de Nova Friburgo e o GAMA - Grupo de Arte Movimento e Ação; a Moção Especial de Louvor “pela valorosa obra em prol da cultura e da Educação”, concedida pela Câmara Municipal de Nova Friburgo, e o Troféu Pégaitaz Irenee René, como um dos “Melhores do ano de 2015”, por decisão do Conselho de Representantes de Eventos Culturais de Nova Friburgo, “Diploma de Mérito Cultural”, outorgado pela Academia Nacional de Letras e Artes – ANLA; agraciado com Menção Honrosa pela Academia Ferroviária de Letras, dentre as Personalidades de Destaque de 2015. O 3º. Concurso Literário da Câmara Municipal de Nova Friburgo conferiu aos vencedores o Troféu Robério Canto. É presidente da Academia Friburguense de Letras, ocupando a Cadeira no. 4, patronímica de Alphonsus de Guimarães.
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