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Fonte: Revista Escola |
O
período das guerras napoleônicas deixou, por muitas décadas,
seqüelas inimagináveis pelo Imperador Napoleão Bonaparte, não só
no continente europeu como também nas Américas, e particularmente
no Brasil. A Confederação Helvética ou Suíça, que sofrera
mudanças territoriais significativas, passara também por problemas
que ocasionou distúrbios afetando sua integridade político-social.
Com a chegada do liberalismo econômico e as crises de 1816-1817,
agravada pelo insucesso das suas safras agrícolas, a fome havia
chegado aos lares suíços. O ápice da crise fora determinado pela
explosão do vulcão Tambora, da Ilha de Sumbawa, na Indonésia, que
lançou na atmosfera terrestre enorme quantidade de material
vulcânico a uma altura de 33 quilômetros. A liberação dos gases
bloqueou a maior parte dos raios solares, trazendo conseqüências
funestas em todo o mundo, principalmente no hemisfério norte do
planeta. O ano de 1816 passou à História como o “Ano
sem verão”,
“Ano
da Pobreza”
ou ainda “Eighteenhundred
and frozen to death”,
significando mais ou menos “mil
e oitocentos e morte de frio”. Na
Suíça o resultado não poderia ter sido pior, pois apesar da
proximidade do verão, a chuva e o frio não dão trégua. A
vegetação sofre e as colheitas fracassam, provocando uma imensa
ausência dos víveres e uma inflação assustadora, ocasionando a
fome e a miséria. Por
isso, a Confederação Helvética não tinha mais como alimentar a
totalidade de seus cidadãos, e a solução que, à época, pareceu
mais adequada, foi permitir movimentos migratórios para o exterior.
Um cidadão da Gruyère, de nome
Nicolas-Sébastien Gachet, foi então nomeado pelo Cantão de
Fribourg para negociar, com o Príncipe Regente D. João, do Reino do
Brasil, Portugal e Algarves, a instalação de uma colônia suíça
em território brasileiro. - Tal iniciativa encontrou campo
extremamente favorável no seio das autoridades imperiais
luso-brasileiras, pois, a exemplo dos demais países europeus, o
Reino de Portugal, estrategicamente indefensável a exércitos
invasores, também já sofrera a investida de Napoleão Bonaparte. D.
João e toda a corte portuguesa, numa retirada estratégica, buscara
refúgio na sua colônia americana e, em 1808, se instala no Rio de
Janeiro. A cidade cresce e procura se organizar. Precisava-se de
mão-de-obra de todo o tipo, profissionais liberais, artesãos e,
principalmente, soldados.
Após as negociações de praxe, em
16.05.1818, o Príncipe Regente e futuro Rei D. João VI, por Decreto
Real, ratifica e aprova as “CONDIÇÕES
SOB AS QUAIS SUA MAJESTADE MUITO-FIEL QUIS CONCEDER AO SENHOR
SEBASTIÃO NICOLAO GACHET, AGENTE DO GOVERNO DE FRIBOURG, UM
ESTABELECIMENTO PARA UMA COLÔNIA SUÍÇA NOS ESTADOS UNIDOS DO
BRASIL”. Nesse documento
se estabeleciam, efetivamente, todas as condições e situações de
ordem prática com vistas à vinda dos suíços, desde as exigências
do lado brasileiro (profissão, religião, etc.) assim como as
vantagens e ajudas concedidas. Também ali se definiu o nome da
futura Colônia, que passaria a se chamar Nova Friburgo.
Na Suíça a notícia
repercutiu de forma muito positiva, pois os intermediários do
Projeto descreviam o Brasil, em particular a região da Colônia,
como um Eldorado. Alistaram-se 830 pessoas de Fribourg, 500 de Berna
(incluindo o Jura de Berna), 160 do Valais, 90 do Vaud, 5 de
Neuchatel, 3 de Généve, 143 de Aargau, 118 de Solothurn, 140 de
Lucerna e 17 do Schwyz, totalizando 2006 colonos1.
Em 14.07.1819 os emigrantes da Suisse
Romande (Suíça de expressão francesa) partiram de
Estavayer-le-Lac, para uma viagem sem volta, com muitas lágrimas e
tristezas em relação aos que ficaram, mas também com muitas
esperanças com o novo lar. Os colonos da chamada Suíça Alemã
vieram pelo rio Reuss e Rio Aar, em Direção ao Rio Reno, para se
juntar em Basiléia a todo o contingente migratório. Problemas
relacionados com a organização do Projeto, melhor dizendo, a falta
de organização, trouxeram conseqüências trágicas. À espera do
embarque para a viagem pelo Oceano Atlântico, os viajantes ficaram
acampados nos pântanos de Milj, perto de Dordrecht, na Holanda, onde
sofreram toda espécie de desconforto, tais como comida ruim ou
deteriorada, que provocou doenças do tipo varíola, tifo, disenteria
e malária. Somente em 11 de setembro de 1819 as primeiras 1200
pessoas conseguiram embarcar e, em 10 de outubro do mesmo ano, as 800
restantes. Os colonos são acomodados nos veleiros Daphné,
Urania, Deux Catherine, Debby Elisa, Heureux Voyage, Elisabeth-Marie
e Camillus.
O Trajan
transportou apenas as bagagens pesadas dos passageiros.
A ambição do intermediário Gachet, que
procurava lucrar de todas as formas possíveis, levou-o a alugar
navios em quantidade insuficiente, dando ensejo a que em todos os
navios houve superlotação. Thormann, o inspetor nomeado pelo Cantão
de Berna, com ironia e pessimismo fúnebres, informava ao seu governo
que “... como é de se supor
tampouco que todos os colonos embarcados ainda estejam vivos na
chegada ao Rio de Janeiro, não há dúvida que estarão melhor
acomodados e com mais espaço quando a viagem estiver chegando ao
fim...” . Por isso a
travessia do oceano foi muito triste, demorada e com muitas mortes.
Na
chegada ao Rio de Janeiro, foram recebidos de forma agradável pelo
agora Rei D. João VI, recebendo muitos presentes e coisas típicas
como pão, vinho, bananas, laranjas. Mas a viagem ainda não acabara.
Tinham que percorrer mais de 120 km até a Colônia. A metade do
caminho era por via fluvial, até perto da atual cidade de Cachoeiras
de Macacú. A partir daí em carroças e lombo de burro. Tomaram
contato com a floresta tropical, quente e úmida, com muitos animais
diferentes, chuvas abundantes e caminhos estreitos quase
intransitáveis. Mas eram bem recebidos pelas populações das
fazendas por onde passavam, recebendo presentes, doces, guloseimas em
geral, e conheceram a nossa cachaça. Mais adiante, a viagem
tornou-se mais difícil, pois os carros não tinham como avançar. As
mulheres, crianças e idosos utilizavam-se de mulas, e os homens, a
pé.
A triste estatística: mortes ainda na
Europa (43); mortes no oceano(311); mortes no Vale do Macacú(35).
Das 2006 pessoas que partiram da Suíça, apenas 1617 chegaram a Nova
Friburgo, e durante a viagem, nasceram 14 bebes. Mas os problemas
ainda não haviam terminado. O Governo imperial preparara apenas 100
casas. Insuficientes, tratou-se de alojar em cada uma, mais de uma
família, os órfãos, solteiros, parentes, de modo que cada casa
abrigou de 18 a 20 pessoas, dando origem ao que ficou conhecido como
a “família artificial”.
Depois são transferidos
para as terras a eles destinadas, também em número insuficiente,
com o mesmo critério de ocupação. Mas o pior foi que a maior parte
das terras eram totalmente impróprias para a agricultura. Íngremes,
pedregosas, às vezes verdadeiras montanhas de enormes rochas.
Algumas eram tão ruins que não era possível sequer plantar uma
simples horta.
Para agravar ainda mais a situação, a
maior parte da ajuda prometida e estabelecida no documento oficial
(CONDIÇÕES...),
não foi cumprida. Não lhes foi dada quantidade suficiente das
sementes, de gado, etc. Aqueles que não tinham profissões
definidas, bem como as viúvas e órfãos, começaram a passar fome e
a pedir esmolas. Sensibilizados com a situação de seus patrícios,
alguns suíços moradores na cidade do Rio de Janeiro criaram, em
1821, a Sociedade Filantrópica Suíça do Rio de Janeiro, com a
finalidade de tentar evitar a miséria dos colonos, dando-lhes
assistência médica, educação e ajuda imediata. Tal iniciativa,
contudo, esbarrou novamente na viabilização do projeto de ajuda, e
diante da carência de racionalidade para a prestação dessa ajuda,
ocorre a aceleração do processo de falência da Colônia, e os
colonos se dispersaram. Em linhas gerais, somente ficam em Nova
Friburgo aqueles que estavam financeiramente muito bem, e muitos
outros que, não possuindo tais condições financeiras ou materiais,
não tinham como se deslocar.
Os mais corajosos e de alguma posse vão em
direção ao Vale do Rio Paraíba, em busca de melhores terras e
clima mais quente, se estabelecendo nas cidades de Duas Barras,
Cordeiro, Cantagalo, Bom Jardim, São Sebastião do Alto, São
Fidelis, Carmo Macuco, Santa Maria Madalena, e outras da região,
praticamente até as proximidades da cidade de Campos. Algumas
famílias de suíços se tornam, ao longo dos anos, proprietários de
terras e muitos deles prósperos fazendeiros, industriais e
profissionais liberais de todo o tipo. Embora a região centro-norte
do Estado do Rio de Janeiro ainda seja o reduto da Colônia Suíça,
hoje seus descendentes estão espalhados por toda a parte, tendo
participado ativamente do desenvolvimento e crescimento do país.
Alberto Lima Abib Wermelinger Monnerat
Alberto Lima Abib Wermelinger Monnerat
Alberto
Lima Abib Wermelinger Monnerat –
Nascido em Duas Barras(RJ), é descendentes das famílias suíças
Wermelinger-Eggli, Monnerat-Koller, Borer-Wehrli e Stutz-Huber.
Economista aposentado do Banco Central do Brasil, foi diretor de
empresas governamentais brasileiras no exterior. É membro da
ACADEMIA FRIBOURGUENSE DE LETRAS – AFL, da SOCIÉTÉ FRIBOURGEOISE
DES ÉCRIVAINS – SFE, (de Fribourg, Suíça),
da SOCIÉTÉ D’HISTOIRE DU CANTON DE FRIBOURG (Suíça), membro do
CBG-COLÉGIO BRASILEIRO DE GENEALOGIA, e articulista eventual do
jornal eletrônico SWISSINFO, do Governo Federal Suíço, editado em
10 idiomas.
1
Por muitos anos,
prevaleceu o número de 2006 pessoas como aquele mais próximo da
realidade, até mesmo pelas dificuldades de mensurar, precisamente o
contingente migratório (inscrições de última hora, desistências,
substituições por mortes ou exclusão, etc). Atualmente, com
base em trabalhos mais recentes, estima-se que esse número está
próximo de 2.080 migrantes, incluindo algumas cidadãos de outras
nacionalidades que se juntaram ao grupo, ao longo do percurso, ainda
na Europa.
Muito bom. Gostaria de entrar em contato com o autor. Minha bisavo materna era origiaria de Colônia, Sao Fidélis e chamava-se Schimit ( com essa ou outra grafia).
ResponderExcluirObrigada
Sou neta de Honório José Jeveaux (falecido), e segundo um Genealogista sou descendente de Anacleto Jeveaux dessa célebre imigração. Como ter certeza? Obrigada.
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